domingo, 10 de abril de 2011

A mansidão do Seu Lima

Aproveito a mensagem do Zé Válner para dizer que eu mesmo pedia ao papai para contar a história do José do Egito umas cem vezes ou mais. Era uma delícia ouvi-lo. Ele era um contador de história insuperável. Interpretava os personagens e passava emoção. Em uma época em que não tínhamos televisão, seduzia os filhos e também os adultos com as fábulas, descrevia os cenários, imitava a reação dos reis, príncipes, vassalos, papas e pessoas humildes. Arrancava lágrimas com o realismo de suas palavras. 

Nosso pai tinha o carisma que muitas vezes lembra o de personagens vivos, como Lula , ou de pessoas já mortas, como José Alencar e Cartola. Mas essas pessoas alcançaram a notoriedade por meio da política ou da música, instrumentos de que papai não se utilizou profissionalmente. Ele até gostava de política, amava a músicas, mas o seu lugar preferido era se inserir no meio das pessoas. Parecia procurar o anonimato. Mas, onde quer que estivesse, era facilmente percebido. Irradiava alegria. Não a alegria escandalosa, das risadas altas, mas a alegria que toma conta do coração. Papai nunca deixou de ser manso. Mansidão, no sentido filosófico, significa “reta razão”. Por isso, quando abordado sobre qualquer assunto, papai respondia sempre com verdades desconcertantes.  Por se portar com autenticidade, papai conquistou a todos. Dele sempre emanva um sinal vivo da presença de Deus aqui na terra.

Zé Válner, que linda foto do papai você colocou no e-mail junto com Leonardo, Ada e outras crianças. Parabéns por nos ter dado essa alegria.

José Romildo

Meu pai, meu herói

Queridos Filhos e Parentes,

Quem se lembrou que ontem, 04 e abril, foi o aniversário do “Seu Lima”, lembrou-se também  do seu rosto cheio de ternura, seu sorriso afagador, sua forte personalidade, bem como se lembrou que ele nos orgulhava pela presença ilustre no meio de nós. Veja foto:



A história relata que as luzes do universo já estavam acesas para "Seu Lima" mesmo antes do seu nascimento. Lembro-me, no final do dia, Meu pai entrava no curral da fazenda de sua família, tangendo 50 cabeças de gado, montado em seu belo cavalo "alazão". Papai Chiquinho e, a sua primeira-dama, Mamãe Rosinha faziam um gesto de aprovação com a cabeça, e diziam: - Eta serviço bem feito! No final da noite, sob o clarão da lua cheia, muita gente assediava o “Seu Lima” para contar uma história. Ele era simpático, atendia a todos, encantava-os com suas histórias. As pessoas, irmãos, sobrinhos, e cunhados levantavam-se e o aplaudiam.

Muitos anos depois, já em Brasília, não demorou muito para começar a ser admirado pelas pessoas que faziam parte de seu convívio social. Sempre foi um mestre em fazer muitas amizades, andava  elegantíssimo e sempre sorridente”.  Meu pai andava por quase toda Brasília. Portanto, ele agradecia  a importância de sua presença para a cidade de Brasília. Ele acreditava que não deveria aceitar coisas erradas que acontecia no relacionamento das pessoas. Uma delas era aceitar a imposição de comerciantes inescrupulosos. Veja, a seguir, um caso muito peculiar da personalidade do  "Seu Lima": Quem não se lembra da forma que ele carregava dinheiro no bolso?  

Antigamente,  a 312 norte era quadra isolada de Brasília. Assim, em plena área da quadra apareciam os comerciantes Hortifrutigranjeiros que assim procediam=

 - Olá freguês, leve três melancias por apenas 15 cruzeiros. É barato, é barato!!!

Meu pai mandava logo três filhos levar as melancias e, imediatamente, tirava a mão do bolso, abria a "palma da mão" e apareciam  sete notas de 1 cruzeiro, todas emboladas na sua mão, e dizia:

- Tome, tome, tome...

O comerciante contava uma vez,  voltava a contar e retrucava:

 - "Seu Lima" ainda falta 8 cruzeiros!!!

Tranquilamente, meu pai, respondia:

- Deixa estar, 7 cruzeiros está de bom tamanho.

Aí o comerciante coçava a cabeça e, finalmente, se convencia:

- Ok  “Seu Lima”, mas da próxima vez o valor é 15 cruzeiros pelas três melancias...  

Sentávamos em nossas cadeiras para ouvir histórias até a hora de dormir. Tenho minha convicção que a história que contava sobre o pai do José do Egito se equivale à história de "Seu Lima" relativamente ao amor dedicado aos filhos, netos e bisnetos.  

Quero aqui deixar muitas palmas para o que "Seu Lima" representa para mim. Ao dia do seu nascimento pude me lembrar de toda a felicidade que ele nos proporcionou, que o Senhor dê ao "Seu Lima" as alegrias do coral dos "Anjos do Céu" e que todos os dias seja o dia mais florido na sua eterna moradia. Descansa com o Criador Eterno, viva entre os resplendores da luz perpétua que está iluminando todo seu ser e que descanse em paz, Amém!

Beijo caloroso ao meu Pai.

São meus sinceros votos!

Valner pra Valer

quarta-feira, 7 de abril de 2010

É Páscoa!

Hoje, Domingo de Páscoa. É tempo de Ressurreição.

Hoje, 04 de Abril. Também é tempo de lembrar seu Lima, pois ele faria 87 anos de vida.

Impossível não fazer uma leve relação de uma data à outra, principalmente pelo apreço que o aniversariante do dia tinha pela Páscoa – data mais importante do calendário Cristão.

Recordo perfeitamente das nossas Páscoas quando a família reunida fazia as orações e o vovô, ao final, pedia licença para “só falar uma coisinha”... todos nós, com muito gosto, ouvíamos seus famosos conselhos e observações das leituras aplicadas ao dia-a-dia.

O vovô é uma pessoa impossível de esquecer. Ele mais parecia um personagem de ficção! Tinha base firme, de princípios inabaláveis, cabeça bem resolvida de pessoa adulta; ao mesmo tempo em que era sincero e espontâneo, sempre agia com inocência e pureza, demonstrando um coração de criança (o que o deixava mais perto de Deus).

Uma de suas características mais fortes era a personalidade totalmente ativa, a impressão era que seu corpo não acompanhava a velocidade de seus pensamentos. Era Vicentino, ia a pé para a casa de cada um dos filhos e para a Água Mineral, reformava todas as coisas no Condomínio Verde, batia perna para todos os cantos, arrumava tudo que estava precisando de reparos, rezava, incentivava, falava, se admirava, aconselhava, agia...

Na Missa de trinta dias de falecimento do vovô lembro-me dos meus amigos impressionados com o carinho e o com o número de pessoas presentes na celebração. Até que um deles, curioso, indagou: “Júnior, seu avô deixou muito dinheiro para a família, para tanta gente assim vir à Missa?” Quando lhe respondi que o vovô não havia deixado nenhuma fortuna material para seus descendentes, ele custou a acreditar...

Fiquei pensando e cheguei à conclusão que seu Manoel não seguia a lógica do mundo. De fato, ele não deixou fortunas materiais. Mas, com certeza, deixou, sim, uma linda herança para sua amada esposa, dona Francisca, e todos seus sucessores: o AMOR! Como pode um homem tão simples, tão singelo, ser tão amado e respeitado por tanta gente sem deixar bens materiais em troca? Isso só prova que seu Lima soube fazer um verdadeiro “servicinho bem feito”!

A vovó, escancaradamente, era seu grande Amor – o seu porquê de continuar vivo. Certa vez, quando morava em Florianópolis, eu estava por receber a visita da vovó. E o vovô me ligou de Brasília, dizendo: “meu Zunin... não vou deixar a Quinha viajar sem mim mais não... ela não consegue viver sem mim, ela precisa de mim!”. Mas todos nós sabíamos que era ele que não aguentava ficar longe dela.

No dia de hoje continuo sentindo o vovô com seu sorriso firme, verdadeiro e amoroso presente no meio de todos nós – sua amada família.


O que me deixa mais perplexo é poder vivenciar um pouco do seu Lima convivendo com a vovó e com cada um de seus filhos. Posso citar rapidamente, dentre tantas características, pelo menos uma do vovô em cada um deles:
- Vovó: o Amor, o respeito e o dom de nos atrair para perto dela.

- José Romildo: o gosto pela leitura;

- José Válner: o senso de humor;

- Lígia: a religiosidade;

- Conceição: o zelo pelos filhos;

- Hélder: o carisma;

- João José: a pureza;

- Edith: a ligação com a natureza;

- Francisco: a perspicácia;

- Newton: a musicalidade.

Como podemos perceber, Manoel Pereira Lima continua vivo! Seus verdadeiros tesouros emanam sua presença naturalmente!

Vamos seguir seus bons exemplos e homenageá-lo com atitudes nobres durante nossas vidas!

A saudade é grande, mas certamente o vovô está comemorando hoje seus 87 anos de nascimento junto com o verdadeiro Protagonista da Páscoa!

Domingo da Ressurreição também é tempo de renascimento dentro de nós mesmos. Podemos permitir que a verdadeira Páscoa aconteça em nossas vidas quando nos renovamos pelo Amor. Essa é a autêntica herança deixada pelo vovô: o Amor! Sendo direcionados continuamente por esse verdadeiro sentimento, seu Lima continuará sempre vivo!

Valeu mesmo, Vovô! Feliz Aniversário e feliz Páscoa para o senhor!

Feliz Páscoa a todos!

Por: João Miranda Lima Júnior

terça-feira, 6 de abril de 2010

Seus secretários

De vez em quando, eu e Francisco tínhamos consulta médica (a do Newtinho era mais diferenciada, ele era bebê). Consulta que virava uma aventura, e, não raro, era o papai quem nos levava. Não querendo se atrasar para o trabalho, fazia ginástica para bater o ponto na agência, onde pegava as correspondências para entrega. “Vamos, vamos!”, andava pela casa tirando seu pentinho do bolso e passando em seus cabelos negros e sedosos, um golinho de café e um “ahh”.

Enquanto a mamãe nos orientava sobre a roupa, etc., eu e o Francisco ficávamos felizes porque íamos andar de ônibus, “uau”! Naquela década de 70, era sim uma aventura. Primeiro porque o ônibus custava a chegar, então, na espera, a gente já começava a viagem. Segundo porque próximo à parada de ônibus havia mata, coisa bonita! Terceiro que a paisagem do trajeto, era , digamos, selvagem, para o que é hoje.

Na parada, segurávamos na mão do papai e pulávamos ao mesmo tempo, saltávamos do banco para o chão e jogávamos pedrinhas pra ver quem mandava mais longe. De repente a gente dizia: “Pai, tô ouvindo um barulho de... ônibus!”. Ah, quando ele surgia... Cada aproximada era um flash! Então eis que ele parava e o papai, já nos pegando pela mão, dizia ao motorista: “Bom dia chefe, trouxe aqui os meus secretários!”. Eu, subindo as escadas meio em diagonal, pois ele me segurava por um braço já de olho no Francisco, que passava voando por debaixo da roleta (sim, nessas horas de passeio o Francisco ficava super ágil!). O garoto queria ver tudo dentro do transporte, ia de um lado para o outro, abria e fechava janelas e puxava a cordinha para o ônibus parar. O papai, no bate-papo, claro, geralmente com o motorista ou cobrador, e eu naquele banco mais alto, olhando a paisagem, o céu de Brasília, a imensidão, um... “plano alto”.

Acho que herdei do papai esse olhar, de buscar nesse céu marcante e único do Planalto Central, um olhar de possibilidades infinitas. Minha lembrança mais forte dele é a de aproximar-se das pessoas com um coração de criança, aquele que se abre para sentir e para dizer o que sente. E assim o fazia, sabendo que a chave das possibilidades era ser como criança, experimentar conversar, não só por palavras, mas de muitos outros jeitos.

Lembro-me que eu criança, na 3ª ou 4ª série, saí com a turma aqui da escolinha da 312 para uma atividade no gramado e, de repente, quem me aparece? Sim, o papai, com a bolsa dos correios a tiracolo, descendo rapidamente a ladeirinha do bloco K. Que felicidade quando nos olhamos! Eu queria colo, mas era tão tímida que não me atrevi a correr ao seu encontro. Certamente ele ia jogar a bolsa no chão, me levantar e rodar comigo, como sempre fazia. Mas fiquei sentadinha seguindo-o até perdê-lo de vista. Como ele era lindo, estatura alta, corpo de atleta... Mas é claro, trabalhava caminhando, por horas! Atributos que foram herdados também dos tempos de agricultor nas terras de meu avô. Papai tinha uma elegância inata, sim, natural, dele. E o sorriso, os olhos, o olhar? Ah, mais além, olhos de fé.

terça-feira, 23 de março de 2010

A regra do bem-viver

Você conhece a regra do bem-viver? Perguntava o meu pai. Eu respondia: “não, conheço não, como é?” Ele entrava com outra história, disfarçava e não respondia. Falava de uma professora muito rigorosa que lhe havia ensinado o “beabá” e que usava de uma palmatória para que aprendesse. Depois emendava a conversa com uma série de versos que essa professora usava para o ensino das primeiras letras: “Mel com pão, pão com mel (...) se não quer o pão, quer o mel?” Uma coisa mais ou menos assim, também nem me lembro tanto, pois essas conversas se davam quando eu tinha uns 12 ou 13 anos e, enquanto ele me servia, pela manhã, antes de ir ao colégio, um prato com pedaços de pão, molhados ao leite e com muito açúcar. Muito bom! Também ele preparava uma farofa de ovos com pedaços de banana que era uma delícia! Eu ouvia aquelas histórias com prazer, enquanto saboreava rapidamente o café, além de prestar viva atenção ao relógio. Hora de ir, só passava por ele se o uniforme do colégio estivesse impecável. “Seja feliz!”, dizia ele, à porta. Escada ou elevador? Enquanto isso, respondia: “Tá bom pai, tchau”.

Eu ia para escola e já, lá na frente, olhava para trás, para o bloco, pois sabia e tinha a certeza que o meu pai me observava da janela do apartamento. Acenávamos um para o outro. Agora eu podia chutar os cascalhos e cristais, sobras de obras, respirar a umidade da aurora e apreciar o revoar dos passarinhos ao me aproximar das moitas de capim-gordura, muito comuns à época. Enquanto caminhava, a mim se juntavam outros colegas da escola, e eu pensava naquela história da “regra do bem-viver”: seria mesmo possível uma regra para o bem-viver? Seria como mandamentos? Seriam ensinamentos? Por que o meu pai não dizia sobre qual e como seria essa tal regra? Égua... Quantas indagações cabem na vida? Há um manual para o animal viver? Quando eu chegava à escola pensava: “a regra do bem-viver deve ser bem diferente de tudo isso...” E ficava “na minha”, como a publicar um ato secreto. Credo.

Essa tal regra que meu pai dizia e não dizia me aproximou dos mistérios e me distanciou dos ministérios! Tem me valido uma curiosidade que me custa caro, porém a sensação é de ir ao encontro de um raríssimo tesouro. Na verdade, é um ponto de construção e desconstrução, ou de mutação, assim como foram os inúmeros paradigmas que sustentaram a sociedade há um tempo. Descobri que o meu pai também brincava com essa história, pois ele não podia dizer para mim o que era porque também não acreditava que fosse somente aquilo que aprendera. Havia muito mais do que aquele aprender traumático que se resvalou em sua memória. E ele resolveu reinventar e encarnar a regra do bem viver... Com um coração de criança, o velho sorriso estampado no rosto, as veias estufadas pelo trabalho e os olhos miúdos de um sonhador, pôs-se a ensinar como construir um mundo melhor, com a simplicidade das coisas, alegria, amor e prazer. Servir e respeitar o outro. Descansar bem do dia. Acordar com confiança. Ser “positivo”, como diria. De quebra, pegava o violão e cantarolava:

“Eu fui às touradas em Madri

Parará tim bum bum bum

Parará tim bum bum bum

(...)

Eu conheci uma espanhola

Natural da Catalunha...”

Por: Francisco de Assis Oliveira Lima

quarta-feira, 10 de março de 2010

O Seu Lima que conheci - recordações

A pedido de seus filhos, principalmente, na pessoa de meu querido amigo e ilustre jornalista, José Romildo Oliveira Lima, passo a relatar alguns fatos vividos e presenciados por nós, quando Seu Lima esteve no Rio de Janeiro, terra que ele amava com tanto carinho, pois aqui estivera, quando ainda jovem, e trabalhou na construção do Túnel Santa Bárbara no bairro do Catumbi. Por diversas vezes quando passávamos por lá ele me relatava as dificuldades e o trabalho penoso que ali exercera. Tempos difíceis aqueles, mesmo assim ele recordava com tanto carinho.

Em janeiro de 1991, Seu Lima e Fransquinha vieram passar uns dias conosco em Jaconé (RJ). No domingo fomos visitar sua irmã Doninha, que morava em um bairro de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, chamado Tribobó. Nesta época eu possuía uma Brasília branca e, de manhã cedinho, depois do café, pegamos a estrada. Chegamos por volta das dez horas da manhã. Qual foi sua alegria ao ver a irmã, o cunhado, Sr. Gonçalo Tomás, e todos os sobrinhos que moravam por perto... Foi uma festa só, uma alegria imensa tomou conta dele, Seu Lima, era de simplicidade ímpar, uma característica que o acompanhava em sua vida. Conversou muito, relembrou os tempos de sua infância no Riacho da Lapa e todas as histórias ali vividas, eu fiquei como ouvinte, pois não conhecia este lado, fiquei saboreando estes “causos” transcorridos na sua juventude. Houve um lanche farto com toda a família, confraternização geral, foi uma verdadeira festa.

Quando já estávamos para retornar, Seu Lima me disse: “Olha aqui este galho desta planta tão bonita”, havia podado e alguns galhos jaziam no chão, perguntou se pegava de galho, os seus familiares disseram que sim, então me perguntou: “Posso levar para plantar no seu terreno em Jaconé?”. De pronto concordei. Como o galho era grande e não cabia dentro do carro, ele o levou agarrado pela mão junto à porta do carro pelo lado de fora. Durante a viagem dizia: “Assim que eu chegar, vou plantar e regar para que ela cresça”. E assim o fez, escolheu ótimo lugar junto ao campanário de Nossa Senhora da Conceição que temos em Jaconé, como homenagem à padroeira de Ipueiras (CE), cidade onde nascemos. A planta pegou e ainda hoje está lá, enfeitando e embelezando o jardim. Já foi podada várias vezes e continua uma de uma beleza incomparável. Vejam a foto:


“Causo” I
Nesta mesma viagem que veio nos visitar em Jaconé (RJ), todas as manhãs íamos caminhar cedinho na área da praia, adorava fazer isto logo cedinho, e íamos contemplando a exuberante natureza de Jaconé com suas montanhas verdes e mar verde claro, cor de esmeralda. Era uma paisagem deslumbrante, o sol ainda nascendo com seus raios dourados, o que deixava a natureza ainda mais bela. Seu Lima parecia uma criança diante de tamanha beleza, e andava como uma criança peralta não observando aonde pisava e distraído caminhava bem perto da arrebentação das ondas. Então, mais que de repente, veio-lhe ao encontro uma onda que o derrubou. Caiu dentro d’água molhando toda a roupa e sujando de areia sua bermuda. Quando chegou a casa, Fransquinha perguntou-lhe com grande amabilidade e preocupação: “Lima, o que houve? Está todo sujo de areia e molhado!”. Ele, com aquele jeito maroto, disse: “Uma onda me pegou e caí”, ria muito como uma criança travessa.

“Causo” II
Todas as noites rezávamos o terço no alpendre da casa. Margarida colocava uma imagem de Nossa Senhora e assim o terço era rezado. O Seu Lima tinha uma maneira peculiar e particular de responder o terço, pois a Fransquinha era quem “tirava” o terço. Ele, sempre com uma voz forte e pousada, dizia: “SANTA MARIA...” começando primeiro antes dos demais e dava ênfase à expressão “SANTA MARIA”. As meninas, que naquela época eram pequenas, riam muito da maneira como ele rezava. Elas riam não por deboche, mas por sua maneira sui generis de rezar. Depois do terço todos diziam “SANTA MARIA...” tentando imitar aquele tom forte e característico que só ele conseguia.

Tenho convicção (plagiando o Lula), que quando o Seu Lima chegou lá no céu, bateu na porta e São Pedro veio recebê-lo e dizendo: “Entre meu filho, tome posse de sua morada”. Então ele ficou assustado com a mansão mencionada por Pedro. Era enorme e de uma beleza que parecia o Taj Mahal e, com aquela simplicidade e humildade que lhe era característica, disse para Pedro: “É minha mesmo? Tem certeza?”. E Pedro, encorajando-o, disse-lhe: “É sim”. Então, dirigiu-se para lá e tomou posse. A minha certeza está baseado na palavra do Senhor Jesus, que nos revelou no Evangelho de Mateus 25,34 – “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino (casa) que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me deste de comer(...)” Aqui faço minha reflexão, o Seu Lima, quando aqui vivia, fez muitas e boas obras, relembremos: era vicentino - todos os domingos saia com o seu grupo para levar alimentos, roupas e outras oferendas aos pobres da periferia de Brasília. A todos cumprimentava com um sorriso nos lábios, os aconselhava e orava com eles.

Quando encontrava um amigo na rua ou quando fazia sua caminhada matinal, dava uma atenção especial a todos, conversava, ria e sempre tinha uma palavra amiga para quem quer que fosse. Isto é evangelizar, isto é transmitir o amor de Deus ao próximo. Tudo isto era o tijolinho que ela estava mandando diariamente para o céu para construção de sua morada eterna. Tanto é que, quando chegou, encontrou a sua morada ornada e pronta pelo Pai.

Estas são minhas recordações deste simples e humilde servo do Senhor, que fez de sua vida aqui na terra um exemplo de um ser humano, que ama seu próximo independentemente de sua cor, raça ou credo e amava com a simplicidade dos santos. É exemplo para todos, principalmente para nossas famílias, que têm um orgulho muito grande de ter convivido com ele. O que mais admirava no Seu Lima era aquela simplicidade, aquela pureza de uma criança que existia no seu ser.

Por: Raimundo Djacir Melo

sexta-feira, 5 de março de 2010

Escuta!

"Escuta!" Era assim que o papai dizia muitas vezes ao caminharmos pelas trilhas na Água Mineral..."Tá ouvindo? Aquele ali é o Quero-quero, olhe, um Anum!", às vezes eu arriscava “Pai, esse canto é do sabiá?” e ele já parando, braços pra trás, olhava bem pro alto das árvores, numa tentativa de, com seu assobio, travar um “diálogo”com o passarinho. Seguiamos pela trilha com os sentidos aguçados, queríamos sentir mais aquela maravilha; de vez em quando ele puxava o ar com mais vigor e o soltava mais devagar. Será que lembrando de suas caminhadas no Riacho da Lapa e Pé do Morro, ou mesmo em Brasília como carteiro? Às vezes era pelo silêncio que percebíamos melhor tudo. De repente, o papai se abaixava e dizia: “olhe aqui o capim gordura”, mais lá na frente: “Ó Dith, o tamanho do cupinzeiro!”, aí, de repente vinha um cheiro avassalador, e dizíamos quase ao mesmo tempo: “humm, que bom!!” e já olhando em volta, Seu Lima decodificava: “Imburana de cheiro”. Pra aquecer um pouco a conversa, eu provocava, “vamos Manoel, quer morar aqui, é?” É que eu estava muito afim de pegar um solzinho que brilhava “lá fora” , sim, explicando que os raios solares não adentram àquela mata, não inteiramente.

O olhar do Seu Lima. Um olhar de ternura que se nutria de tudo ao redor, acho que pouco ou nada lhe escapava; e suspirava cada vez mais calmamente como que consciente do sopro divino que nos fez e nos refaz a cada instante.

O seu jeito de ser numa frase: olhar de frente todas as experiências, sejam maravilhosas ou nem tanto, mas era só assim que ele sabia viver.

Por: Maria Edith Oliveira Lima